Ligação mágica

Já visitei este local incontáveis vezes. Em muitas delas, movido apenas pelo desejo de contemplar a sua beleza serena e intemporal.

Habitualmente, fotografo-o de um ponto mais elevado, explorando a paisagem a partir de ângulos amplos. No entanto, ao longo dos anos e com sucessivas visitas, fui descobrindo formas de o abordar sob novas perspetivas — algumas mais acessíveis, outras exigindo algum engenho e persistência.

Durante a primavera, é habitual percorrer este caminho em busca dos corvos-marinhos-de-crista, aves que raramente permitem uma aproximação tão próxima em território português. Em algumas ocasiões, consigo registos notáveis da sua presença.

Numa dessas manhãs, no entanto, os corvos-marinhos não se encontravam no seu local habitual. Ainda assim, não foi uma visita em vão: os ninhos de cegonhas-brancas estavam especialmente ativos, repletos de vida e movimento. Aproveitei a oportunidade para tentar captar novas imagens. Com o sol já acima do horizonte, uma espessa camada de nevoeiro começou a avançar a partir do oeste.

A luz transformou-se repentinamente. Num instante, toda a paisagem mergulhou numa penumbra etérea. A força solar esmoreceu, suavizando-se até se assemelhar à luz da lua. Ainda capturei algumas imagens, mas percebi que a sessão estava a chegar ao fim.

Com a teleobjetiva no tripé e a mochila às costas, iniciei o caminho de regresso, convencido de que a manhã fotográfica se encerrava ali. Pelo caminho, deixei-me tentar por mais uma ou duas composições... só mais um par de imagens.

Foi então que, quase tão repentinamente quanto surgira, o nevoeiro começou a dissipar. E, ao erguer o olhar, deparei-me com um espetáculo raro: um fenómeno ótico e meteorológico fascinante — uma "glória", ou arco-íris branco, formado pela refração e reflexão da luz solar nas minúsculas gotas de água suspensas no nevoeiro.

Senti o coração acelerar. A pressa tomou conta de mim: troquei rapidamente a teleobjetiva por uma grande angular, desejoso de enquadrar toda a cena. O receio de perder aquele momento tão efémero era real, mas consegui manter o foco.

Mais uma ou duas composições… mais um par de imagens.

E, como num fecho poético, o céu voltou a limpar-se, revelando o mesmo azul calmo que anunciara o início da manhã.

Talvez esta imagem não desperte grande fascínio para quem a vê. Mas para mim, ela tem um significado profundo. Num único disparo, consegui eternizar a paisagem, as cegonhas — presença habitual e simbólica daquele lugar — e a minha própria sombra, unidas por uma circunferência mágica desenhada pela luz. Uma memória rara. Um instante perfeito.

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